09 novembro 2006

Selos orgânicos

Sempre fui fã de cartas, cartões e afins. Durante um período da adolescência fui frequentadora assídua da agência dos Correios, que para a minha sorte, fica na esquina de casa, na mesma calçada. Na época eu tinha um romance virtual com um rapazinho de Curitiba e embora nos falássemos toda noite no ICQ(saudade do beep-beep - aquilo sim era pedir atenção), ainda havia assunto e juras de amor para cartas semanais, cartões fofos e etc. Me realizava escrevendo para ele, nem tanto pelo conteúdo das cartas, mas pelo esforço dispensado para fazê-las. Envelopes coloridos de todos os tamanhos, folhas combinando, canetas dos mais variados tons de tinta e espessura das respectivas pontas. E em cada carta, um desenho diferente para decorar o envelope e adesivos. E claro, como toda escritora esforçada, inúmeros rascunhos antes de ir para o papel que seria mandado mesmo. Quase uma força tarefa. Mas o que mais me chama atenção agora naquelas cartas era os tais dos selos orgânicos, que consistiam em qualquer desenho tosco bem do lado do selo(adolescentes, enfim...).
Costumava ser sempre atendida pela mesma moça, que até hoje trabalha lá e continua sendo a mais simpática das atendentes(atípico em se tratando de prestadores de serviços). Ela sempre me olhava com aquele ar que os adultos olham as crianças quando estas se dizem enamoradas e sorria. Era minha cúmplice e sempre ria dos tais dos selos orgânicos. E de vez em quando, discretamente perguntava como ia o "namoro". Me ensinou o macete da carta social, que pelo que eu me lembro, consistia em escrever carta social no envelope e não deixar o peso ultrapassar 10 gramas, o que era 3 sulfites, se não me engano; pagava-se 1 mísero centavo para postar a tal carta. Eu amava. E aproveitava e escrevia para as amigas distantes e até para as de perto mesmo, já que com 10 centavos eu me sentia a rainha da ECT. Nem sei se ainda existe a tal da carta social.
Outra coisa que me chama atenção hoje era o fato de me mostrar completamente desprendida em cartas. Embora houvesse todo o ritual, o capricho na escrita, até um certo formalismo tosco, naqueles papéis eu costumava ser eu mesma, sem dissimular, sem pensar em ser um personagem, sem nada. Era o que estava ali naquelas linhas. Tinha vontade de dizer que gostava de alguém? Tascava um "Eu te amo!" colorido e em letras garrafais e pronto. Estava chateada, a fim de dizer algumas verdades? Caneta preta e escrita em letra de forma. Era o prazer e o exercício de ser no papel. Bons tempos.
O tal do romance não deu em nada, ou melhor, o fim foi uma choradeira só, mas não convém dispor mais detalhes sobre, já que não é o foco. Mas com o fim dele, findaram-se as cartas também, num boicote geral a todo o ritual que envolvesse papéis e canetas coloridas. Nunca mais cheguei perto de uma agência dos Correios, até ceder a um impulso dia desses. As coisas já não eram as mesmas por lá, mas a minha querida atendente estava lá e, embora não me reconhecesse mais, continuava muito simpática. Fui atendida por uma outra, mecânica, e lá se foi o que eu queria. Só que dessa vez, sem selos orgânicos, canetas coloridas e afins...