30 setembro 2007

Plantinhas

A mamis tem uns insights e resoluções nos momentos mais impróprios possíveis, mas enfim... ontem a tarde, depois de ela muito atormentar, fomos fazer compras(adoro comprar, mas adoro muito mais ficar jogada em casa sábado a tarde). Remédios e mais remédios, um ferro de passar roupa novo e fomos ao supermercado. Frango, pães, refrigerante, chocolate, amendoins torrados, queijo e flores... é, flores.
Ficamos uma meia hora decidindo o que trazer e ela escolheu lírios e uma outra que não me lembro o nome, mas são lindas, trouxe vermelhas e brancas. E perguntou se eu ia levar alguma coisa... bom, eu comprei cactos.

- Cactos?
-É, mãe. Cactos. Não dão trabalho, posso deixar no meu quarto, não vão morrer... pelo menos eu espero que não morram.
- Hahaha. Quero só ver. Do jeito que você é cuidadosa, vai conseguir matar até eles.
- Affe, vou nada. Vou ser uma pessoa feliz com cactos no quarto, oras.
- Vamos ver, então.
- Adoro gente otimista. E no mais eles são a minha cara... espinhos e quem sabe alguma coisa dentro... o problema é que tem que matar pra saber o que tem dentro...
- Hahaha. Só você mesmo. Credo...

E eu trouxe um par de mini cactos e um outro arranjo bonitinho que tem até um mexicano. E deixei em cima da mesa do pc. Por enquanto, eles tão se comportando bem, vamos ver quanto tempo vão durar...

5 momentos de solidão perfeitos

- Sair pra caminhar no meio da madrugada
- Dirigir até cansar e então parar, sair do carro, sentar em algum lugar e ver o tempo
- Caminhar ou ficar sentada horas a fio na beira da praia, vendo o mar
- Ficar escutando música no mp3 com fone de ouvido enquanto todo mundo fala
- Estar sozinha num lugar muito movimentado e ficar só observando

29 setembro 2007

...

Please Me Like You Want To
Written by: Ben Harper


don't do me any favors
matter of fact why don't you
do yourself a few

your presence ain't nobody's blessing
i've got plenty of other things
i could do

oh no, not another excuse
your tired silly games
for me are just no use

and now it's plain for me to see
you're with somebody
that you don't want to be

so won't you
please please me like you want to
not like you have to
or won't you just go on and leave me
leaving me is the least that you could do

you could have spared me
so much misery
and told me you just wanted
a friend

believe me there is a difference
when you mean it
and when you pretend

or was i just your habit
cause i know a habit
is a hard thing to break

but won't you spare me
a little mercy
there's only so much
that i can take

so won't you
please please me like you want to
not like you have to
or won't you just go on and leave me
leaving me is the least that you could do

27 setembro 2007

Passeio

Domingo costuma ser um dia muito tranqüilo; às vezes saio pra andar pela feira daqui, que é praticamente em frente a minha casa. Com o calor que anda fazendo não costuma ser um passeio muito agradável, pelo menos pra mim é meio claustrofóbico. Muitas lonas, pessoas, calor, suores, corpos se encontrando e roçando, perfumes de todos os tipos misturados com cheiro de comida, muita quinquilharia amontoada e pendurada nas bancas, músicas ruins, vozes, choros, risos, várias idades e cores. Geralmente fico meio perdida no meio de tudo isso e ando apressada pelo corredor, tentando me desviar do fluxo louco de pessoas, ignorar os cheiros e com um fone de ouvido pra ter um pouco de paz. Levo uns 15 minutos pra atravessar a feira e chegar até os portões da basílica, em dias de sorte.

Nos raros dias em que estou com paciência, ando devagar observando as mercadorias, as situações e pessoas andando por ali. Os romeiros no geral são pessoas bem simples, de pouca instrução e fé enorme. Uma grande parte economiza o ano todo pra poder viajar pra cá, pagar uma promessa e levar várias lembrancinhas de gosto duvidoso para os parentes e amigos. Quando era criança, os artigos mais vendidos eram umas almofadas com umas estampas cafonas, umas sacolas bege com o desenho da Basílica - embaixo do desenho vinha a seguinte frase: "Lembrança de Aparecida", e chaveiros e canetas. Isso sem contar o básico: terços, fitinhas de Nossa Senhora, imagens e quadros variados. Após ultrapassar a barreira humana da feira, vou até a Basílica.

A imagem que se vê da frente da Basílica logo no portão é muito bonita, imponente. Passo pelas pessoas bebendo refrigerante, comendo ou se entretendo com os famosos picolés de Itu(esses picolés de Itu são a coisa mais highlander da cidade - um sorvete de baunilha enorme e sem gosto, com uma cobertura de três cores que as pessoas acreditam que são de chocolate, morango e creme, mas na verdade não tem gosto de nada) perto dos ônibus. Vejo placas de todos os estados... os cariocas geralmente são os mais animados, os sulistas absolutamente educados e não costumam discutir o preço das coisas, os paulistas são mais na deles e por aí vai. Em certa época do ano aparece uma gente loira de pele avermelhada e um sotaque estranhíssimo, do interior do Paraná - comento em separado porque desde criança eles me despertavam curiosidade pelo tom da pele e cabelos... achava muito esquisita aquela gente. Na minha mente de criança, era gente que tinha ficado no sol tempo demais e por isso a pele vermelha; imaginava que se encostasse em algum deles, provavelmente a pessoa gritaria de dor por causa da pele queimada. Coisas de criança...

Dentro da Basílica, gosto de ir até a Sala dos Milagres, onde ficam fotos, troféus, membros de cera, vestidos de noiva e uma infinidade de outras coisas que as pessoas doam em retribuição a graça alcançada. Há várias fotos de jogadores famosos, camisas de time e da seleção, discos, porcelanas. Os membros de cera são um capítulo a parte, pernas, braços, cabeças... de vários tamanhos e tons de amarelo. Há algumas dedicatórias nos objetos que ficam ali e geralmente bate curiosidade e fico lendo qual foi a graça alcançada, os nomes, as datas. Há de tudo: gente que conseguiu cura de alguma doença ou acidente, emprego novo, casamento, reunir a família - essas coisas me fazem achar a fé uma coisa impressionante. Gosto também de olhar as fotos coladas nas paredes - uma infinidade de anônimos de todos os cantos do país, idades, raças e condições financeiras. Na minha infância, meu irmão costumava me levar lá quase toda semana, e durante uma época eu andei cismada que tinha que ter uma foto minha lá. Passei anos procurando por ela e nada... até um dia perguntar pra minha mãe, que riu da pergunta e disse que ela nunca havia colocado uma foto minha lá. Confesso que fiquei um pouco decepcionada.

O passeio se estende até o Centro de Apoio aos Romeiros, onde vou até a loja de uma amiga e às vezes vamos tomar sorvete no Mc Donalds. Quando era criança, o local do Centro era apenas o estacionamento da Basílica... perdi a conta de quantas vezes fui soltar pipa com meus irmãos ou andar de bicicleta(de carona, é claro) com eles. Meus pais passaram algumas tardes de domingo comigo e minha irmã lá, tentando me ensinar a andar de bicicleta, sem sucesso. Nunca tive equilíbrio suficiente, acabava perdendo a paciência e acabei por fim desistindo. Mas ainda assim, adorava os passeios.

Depois de conversar e andar bastante, é hora de voltar pra casa, e venho pela Passarela, que atualmente tem grades altas, pois costumava ser o local preferido dos suicidas da cidade, inclusive um ex-marido de uma tia minha se jogou de lá há uns 3-4 anos. De lá dá pra ter uma vista muito bonita da cidade e redondezas. É muito bonito ver o sol se escondendo na Serra da Mantiqueira nas tardes avermelhadas de outono. É interessante ver também as pessoas atravessando a passarela de joelhos - sempre me pego a pensar no que foi que as levou a esse sacrifício... é, fé a gente não explica mesmo.

A saída da Passarela dá para a Praça N. Senhora Aparecida com suas construções antigas, a Catedral e o comércio. Movimento de pessoas entrando e saindo das lojas com alguma lembrancinha, crianças tomando sorvete e correndo pela praça, carros, agenciadores chamando os romeiros para almoçar nos restaurantes ou ficar nos hotéis, um e outro lambe-lambe pra tirar foto com uma imagem da basílica ou da santa ao fundo, não sei se ainda tiram fotos das crianças montadas num asno - alguns eram até pintados para ficar parecidos com zebras.

Atravessando a praça chego a ladeira Monte Carmelo, atualmente com um calçadão, mas ainda assim as pessoas andam no meio da rua, devido a quantidade de bugingangas que os lojistas deixam expostas na calçada, tornando-a uma extensão de suas lojas. E descendo, se vê todo tipo de comércio, um antigo teleférico, um parque, hotéis com as fachadas revitalizadas - coisa feita há pouco tempo e gente subindo e descendo, olhando tudo com curiosidade e calma, comentando, rindo, negociando com os lojistas.

Quem desce a ladeira, vê a parte de trás da Praça São Benedito: um palco onde há shows, palestras e afins, alguns bancos nas laterais e dois orelhões que fazem muito sucesso: um tigre e um tucano, sempre há alguém tirando foto do lado de um deles. Nessa praça é realizada todos os anos, começando no domingo de Páscoa, a festa em louvor a São Benedito, que dura 9 dias e é um capítulo a parte. Descendo mais um pouco, se vê a frente da igreja e o mastro de São Benedito, que é substituído todos os anos no domingo maior da festa. É a ingreja mais bonita da cidade na minha opinião, embora pequena.

Ainda no sentindo de quem desce há o colégio Chagas Pereira do lado direito da igreja, a escola mais antiga da cidade. Estudei lá dos 6 aos 13 anos, e costumava ser uma escola tradicional, de professores muito bons, embora fosse colégio público. Foi onde cresci, fiz meus primeiros amigos, descobertas e onde começou a minha formação. Lugar de boas lembranças, de brincar no pátio, de tentar entrar no porão da escola, de inúmeras algazarras, de jogar queimada na escada da frente da escola, de tirar os óculos e decorar com flores a estátua do patrono, que fica no jardim frontal da escola. Éramos crianças da pá virada.

E terminando de descer, agora na calçada do colégio, se vê a Rodoviária. Construção velha, feia, com aspecto decadente. É a única rodoviária circular que vi na vida. Tem dois andares e no andar de cima ficam as lojas de roupas, a maioria são de coreanos e há todo tipo de roupa com preços bem acessíveis. Na parte de baixo, há a maioria dos guichês das empresas de ônibus e bares, alguns deles têm até um aspecto bom e são limpos, mas a construção realmente não ajuda.

E rodeando a rodoviária, temos a rua São José, a minha rua. Onde moro desde o dia em que saí do hospital, na mesma casa. Algumas casas da rua, inclusive a minha, foram construídas em 1928 e eram uma vila. Só para constar, a construção da rodoviária é bem posterior, acho que na década de 60 ou 70, não tenho certeza. Quando era criança, a vizinhança era tranqüila e só havia um bar na rua, onde eu ia comprar umas balinhas redondas tipo Mentos que eram uma delícia. O bar fechou e em seu lugar abriu um consultório dentário, aliás, depois veio mais um e um consultório médico, cada um pertencendo a um dos 3 filhos dos nossos vizinhos. Com o tempo, o comércio foi se modificando e atualmente há um salão de beleza, uma pensão, uma lan house, dois consultórios dentários, um médico e uma loja de roupas. E algumas casas, que permaneceram sem tantas modificações. É uma rua barulhenta, movimentada, com um fluxo considerável de carros, ônibus e gente, por conta da Rodoviária. Sempre vejo pessoas indo e vindo em ônibus e sempre fico imaginando para onde elas vão e por quê; geralmente me dá vontade de ir também para algum lugar, qualquer lugar... mas acabo chegando na casinha branca com a garagem estranha. A minha casa.

24 setembro 2007

Ele...

O sono ainda não veio e realmente estou cansada de ficar virando na cama, como se meu sono dependesse exclusivamente de uma posição ideal. Várias idéias e pensamentos povoando minha mente de maneira caótica como sempre.
E ele veio perturbar o sono que nunca vai chegar. Há quantas horas nos falamos? Perdi as contas... mas sempre parece que ele se foi há muito tempo. É a sensação de se sentir abandonada numa casa no meio do nada... você vê a pessoa sumindo no horizonte e não pode fazer nada, não consegue nem gritar pra ela voltar e também não pode ir atrás porque a essa altura, você já não consegue mais avistar nem o rastro dela.
Ele se vai e sempre deixa alguma coisa... tenho várias lembranças, marcas. Boas, ruins ou somente lembranças, daquelas que surgem do nada e você não sabe o porquê de elas surgirem.
Às vezes ele se vai e eu fico esperando, obediente. Às vezes ele se vai e eu vou também, olhar o tempo, ver outras coisas, mas logo volto - não consigo ficar muito tempo longe dele. Às vezes eu me vou e ele fica; o que acontece nessas vezes, talvez eu nunca vá saber. Mas saber o que ele fez como maneira de vigiá-lo pouco me importa. Quero saber o que ele fez porque me parece interessante.
Ainda não consigo adivinhá-lo. Sempre calo quando ele me adivinha, mas ele sabe. Ele sempre sabe... e sempre me encosta na parede. Raramente consigo fugir, ele consegue ser mais forte com nenhum esforço. E eu tenho medo dele. Muito medo.
Consegui mostrar um monte de defeitos e falhas pra ele, mas parece que não funcionou. Não consegui ser repelente o suficiente. Tinha que ter funcionado com ele. Funcionou com todos os outros, oras.
Nos consumimos em nossos temperamentos. Discussões, brigas, pazes, dias normais, dias anormais. Não temos bons dias, acho. Temos dias intensos, fazendo curvas de montanha-russa. Mas ele tem dias de sossego, dias em que está especialmente divertido. Dias em que me deixa preocupada porque não está bem - nesses dias invariavelmente me vem a mente um abraço apertado, um carinho. Dias empolgados. Dias muito meigos que eu acho lindos. Dias em que é melhor não chegar perto, porque sai faísca. Mas geralmente procuro as faíscas. Às vezes elas aparecem sem eu procurar.
Ele faz eu me sentir muito menininha, fragilzinha - eu odeio isso. Divido muitas coisas com ele que não divido com mais ninguém, coisas que conto sem perceber. É um dos sinais que indicam que já não posso fazer muita coisa... porque a guarda já foi baixada há tempos. Mais uma vez eu tento fugir, mas nunca dá. Parece que os braços são enormes. E eu sempre sinto a falta dele.
Há uma reunião de uma porção de eles num só. E eu gosto de todos eles. E aprendi com algum desses eles a entender e a aceitar o silêncio. Porque a minha tagarelice costuma servir pra uma coisa só: fugir. Porque sou assim. E porque tagarelar desvia a minha própria atenção, pra não ver que não dá pra evitar o inevitável. Uma hora a gente tem que ceder. Mesmo que não saiba como fazer isso. E como recompensa, o sono virá independentemente da posição.

...

Mais um dia, uma semana, um mês, um ano e uma vida a menos. E tudo pro alto, às favas, pro inferno, pro raio que o parta... têm coisas nessa vida que a gente precisa exorcizar pra poder dar continuidade, pra parar de travar todas as outras... mas a gente simplesmente não consegue. Por comodismo, medo do novo, orgulho, ignorância... ou qualquer outra coisa. Mas raramente é por circunstâncias e pessoas alheias à nossa vontade. Eu sempre me recusei a acreditar que às vezes a gente não pode ter as rédeas da própria vida, a não ser na morte - o que implica em ser totalmente responsável pelos meus atos sempre. Só que ultimamente eu não ando querendo ser tão responsável assim... nem por mim, nem por ninguém, nem por porra nenhuma. E as coisas vão se acumulando... situações, problemas, pessoas... ciclos que não fecham porque eu decidi largar pra lá e sair pra brincar. Como se elas não existissem, como se eu não fosse reponsável por nenhuma delas. E no caminho eu ando deixando alguns pedaços importantes, que não vai dar pra colar depois, porque vão perder o formato certo do encaixe e não vai dar pra voltar atrás. Paciência.
Levei uns três trancos esse final de semana que me fizeram repensar várias coisas a respeito disso: já passou da hora de recolher o lego da calçada, voltar pra casa e me arrumar. E arrumar a bagunça toda que eu fiz. Talvez assim eu recupere minhas noites tranqüilas de sono, que saíram pra brincar também há uns 3 meses e não voltaram.

22 setembro 2007

Ele

Formávamos um desses casaizinhos perfeitos convencionais: ambos trabalhavam fora, eram bem-sucedidos e estavam sempre felizes. Tenho que admitir que Daniel sempre foi um pouco além das expectativas de qualquer mulher, ajudava nos afazeres domésticos, era paciente nos meus períodos de TPM e um ótimo amante. E como todo casal perfeito, tentávamos manter todo o estresse que o trabalho de ambos gerava bem longe de casa. Nos finais de semana costumávamos sair, viajar ou reunir os amigos em casa pra jogar conversa fora e beber. Eram bons tempos.

Nossa primeira crise aconteceu quando Daniel teve uma crise de estresse por conta do trabalho. Ele era incapaz de dividir seus problemas com quem quer que fosse e não costumava falar muito quando algo o incomodava. Chegava em casa desanimado, jantava, tomava banho e dormia. Às vezes conversava sobre amenidades e ria, mas não era a mesma pessoa. Tentava conversar, saber o que estava acontecendo e ele simplesmente me dizia que ia passar, que não queria falar sobre isso. Tive muitas noites solitárias nessa época, ele se deitava e não dizia palavra, mal encostava em mim, vivia cansado demais. Numa dessas vezes, me aninhei no peito dele enquanto dormia e acabei adormecendo também. Acordei com ele chorando e dizendo que me amava. Naquela noite ele contou tudo o que estava acontecendo, a pressão no trabalho, o medo de não ser reconhecido e seus planos de mudar para outra área, para alguma coisa que não o preocupasse tanto. Sabia que estava sendo relapso comigo e temia que eu o deixasse. Conversamos bastante e a partir dali resolvemos muita coisa. Voltamos a ter dias felizes.

Uma vez decidimos que todo sábado seria o nosso dia pra fazer só o que gostássemos. Era o dia em que Daniel ficava me observando andar pela casa descabelada, seminua e descalça. Sempre assoviava e fazia um movimento com as mãos que significava pra lá e pra cá, em referência aos meus quadris, quando passava por ele. Eu sempre perguntava o que era que ele estava olhando e ele sempre mandava eu parar de rebolar. E ambos ríamos.
Gostava de observá-lo, compenetrado, lavando o carro - tratava aquele Astra preto como a 8ª maravilha do mundo, enquanto eu ficava olhando aqueles braços e ombros largos no sol. Às vezes eu resmungava que já estava bom, que o carro já estava limpo e era melhor ele parar, entrar e tomar um banho. Ele ria e entendia o recado... invariavelmente eu estaria esperando embaixo do chuveiro.
No mais, nossos sábados se resumiam a passeios, noitadas, tardes intermináveis jogando vídeo-game e discutindo quem jogava melhor. Às vezes passávamos o dia na cama, descobrindo alguma posição que ainda não tínhamos feito ou algum canto do corpo do outro que ainda não tinha sido explorado. Me lembro de um desses sábados... tinha passado a semana toda com vontade de comer amoras - me lembravam a adolescência - e não tinha achado em mercado algum. E Daniel veio me acordar cedo com um monte delas, trazendo o sabor de adolescência - sabor esse que resultou numa brincadeira que deixou nossos corpos e os lençóis pintados. Ríamos.

Não tivemos filhos, não quisemos adotar. Depois de vários tratamentos, descobrimos que eu era estéril. Daniel estava lá, me apoiou o tempo todo. Mas depois da notícia que jamais seria pai, seus olhos negros perderam um pouco do brilho. Eu nunca consegui fazer alguma coisa que recuperasse esse brilho e me resignei. A mulher da vida de Daniel não tinha o dom de ser mãe, mas mesmo assim ele fazia questão de reforçar que ela era a mulher da vida dele.

Tínhamos gênios difíceis e uma inteligência acima da média. O problema era justamente esse: tínhamos sensibilidade para coisas diferentes e Daniel era reservado no que dizia respeito a ele. Mas no que dizia a mim, sempre tinha um argumento para me fazer falar o que quisesse, para concordar com seus motivos e opiniões. Discutíamos bastante e parte da sensibilidade dele sabia que quando eu me calava ou dizia não, era hora de ficar na dele e me respeitar. E a outra parte sabia que quando eu perguntava alguma coisa, era porque incomodava. No que dizia respeito ao resto, tínhamos concordado em não questionar as convicções políticas nem as religiosas de cada um - nossas opiniões sempre divergiam e sempre saía faísca. Ah, não era permitido discutir sobre times também, o máximo que dizíamos era que além dos gatos, havia um porco e uma veada em casa. E geralmente nessas horas ele imitava um porco e saía correndo atrás de mim pela casa. E nos perdíamos em carinhos.

Daniel andou enjoado de mim por um tempo e arrumou uma amante chamada Lígia. Para minha surpresa, ela era oriental - Daniel nunca havia gostado de orientais, e trabalhava com ele. O caso durou uns três meses, e nesse tempo ele ficava até mais tarde no escritório quase todo dia. Mas se comportava como se nada estivesse acontecendo, era carinhoso e o sexo continuava bom. Um dia comentou com um entusiasmo diferente que Lígia era uma arquiteta muito competente, esforçada e... divertidíssima. Na hora, lancei um olhar fulminante e disse que queria conhecê-la, que ele deveria convidá-la para jantar conosco. Foi a única vez em que vi Daniel perder o jogo de cintura e a voz. Ele acabou me contando tudo e pedindo desculpas, enquanto eu só conseguia chorar. Percebi que amava Daniel mais do que podia imaginar. Mas mesmo assim me mudei para o apartamento de Simone, uma amiga solteirona que lecionava nos mesmos colégios que eu. Lígia pediu demissão na semana seguinte a minha saída de casa e tomou um rumo desconhecido. Fiquei sabendo depois que Daniel rompeu com ela na noite em que saí de casa.
Morei uns dois meses com Simone, tempo suficiente para colocar a cabeça no lugar. Não conheci ninguém nesse ínterim e nem reencontrei Rodrigo, só conseguia pensar no que sentia e pensar no que seria dali para frente. Um dia, Daniel ficou esperando eu chegar do colégio na porta do prédio a noite toda. Cheguei e o vi dentro do carro, sorrindo. Fui ríspida e perguntei o que fazia ali. Ele me disse que naquela noite eu voltaria com ele para nossa casa. E voltei. E recomeçamos.

Antes de Lígia aparecer, eu também andava enjoada de Daniel. Foi quando conheci Rodrigo, o professor de Matemática do colégio novo em que eu estava lecionando. Era um homem muito bonito, divertido e insistia em me notar. Conversávamos bastante e um dia ele me convidou para um café sem compromisso. Depois de muito pensar, fui e acabamos estendendo a tarde num motel. Na despedida disse que queria me ver mais vezes, eu sorri e concordei. Quando ele deu as costas, comecei a chorar, não pertencia mais a Daniel. Aleguei uma dor qualquer e não voltei para as aulas do período noturno, fui para casa. Depois de muito chorar, tomei uns remédios e adormeci antes de Daniel chegar. No outro dia, acordei com flores, café na cama e um Daniel preocupado. Tinha visto os remédios e queria saber o que havia acontecido. Inventei qualquer desculpa que ele acabou engolindo.
Ainda me encontrei com Rodrigo durante um tempo, mas acabei me enjoando dele também. Era um bom amante, boa companhia e nada mais. Daniel nunca me perguntou nada, suponho que nunca tenha desconfiado ou andava pensando demais em Lígia - eles começaram a ter um caso um tempo depois do fim do meu affair com Rodrigo.

Um tempo depois da minha volta, Daniel quis ter um aquário. Eu detestava aquários, mas concordei e fiz ele me prometer que jamais o colocaria no nosso quarto, não queria ter peixinhos dourados assombrando meu sono. Ele prometeu e riu, me chamando de esquisitinha. Achei que era só brincadeira, pois já tínhamos Apolo e Ártemis, um gato branco e uma gata preta que ele havia me dado de presente e que às vezes faziam uma bagunça considerável na casa. Mas um dia ele chegou com um daqueles aquários simples, com dois peixinhos dourados dentro. Colocou o aquário na estante da sala e me disse que aquele seria uma experiência; se ele conseguisse cuidar daqueles dois por mais de um mês, compraria um aquário de verdade, com tudo que tivesse direito.
Misteriosamente, o aquário não durou quinze dias. Ártemis não havia resistido ao instinto e caçou os dois peixinhos dourados, para meu desespero. Quando contei o que havia acontecido, Daniel riu e me disse que compraria outro aquário, só que colocaria no escritório dele, já que Ártemis não era muito receptiva. Nunca mais tivemos outros animais de estimação em casa que não fossem Apolo e Ártemis.

"Eu hei-de amar uma pedra"


"Eu hei-de amar uma pedra, beijar o teu coração"
António Lobo Antunes
Nada declaro. Nada.


21 setembro 2007

E diz que hoje eu acordei romântica...

Por Que A Gente é Assim?

Mais uma dose?
É claro que eu estou a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?


Agora fica comigo
E vê se não desgruda de mim
Vê se ao menos me engole
Mas não me mastiga assim


Canibais de nós mesmos
Antes que a terra nos coma
Cem gramas, sem dramas
Por que que a gente é assim?


Mais uma dose?
É claro que eu tô a fim
A noite nunca tem fim
Baby, por que a gente é assim?


Você tem exatamente
Três mil horas pra parar de me beijar
Hum, meu bem, você tem tudo
Pra me conquistar


Você tem exatamente
Um segundo pra aprender a me amar
Você tem a vida inteira
Pra me devorar
Pra me devorar!

Mais uma dose?
É claro que eu tô a fim
A noite nunca tem fim
Por que a gente é assim?

Terapias...

Caco Galhardo - AMOOO!

E isso realmente é muito a minha cara... acordar deprê e arrumar uns carnezinhos básicos que no começo do mês consomem meus honorários de escraviária. Mas enfim, cada um curte suas deprês do jeito que dá, seja comprando, bebendo, choramingando ou arrumando mais sarna pra se coçar ainda. Já passei inúmeras noites no bar achando que o mundo ia acabar em birita colorida por qualquer motivo tosco e bem, no outro dia... o mundo parecia que acabar em ressaca.
Esse tipo de sistema de compensação é engraçado, independentemente do motivo ser amor, profissão ou qualquer outro chilique existencial, porque na hora tudo fica perfeito: você volta pra casa com várias sacolinhas cheias de coisas fofas, lindas e que na hora lhe parecem super úteis; bebe tudo que tem direito, ri muito (inclusive sem saber do quê), e faz coisas que na hora lhe parecem super legais (beijar um carinha que na hora pareceu lindo). Aí, depois que a euforia passa, você vê que comprou várias coisas que não vão ter a mínima utilidade e que não combinam com nada; o carinha que você beijou na balada e era tudo de fofo... bem, melhor nem comentar. E aí vem o arrependimento e a ressaca moral... você pode até trocar algumas coisas que comprou, mas o carinha... melhor evitar, né? Bate uma deprê diferente, e você provavelmente vai arrumar um jeito de compensá-la com alguma outra coisa, nem que seja comendo um pote de sorvete na frente da tv. E assim as coisas vão indo, sempre trocando uma coisa por outra, errando e acertando aqui e ali. E é engraçado ver como temos medo e tentamos fugir da dor, do vazio a todo custo... e como disfarçamos isso de busca da felicidade - mesmo que ela seja temporária e custe o dobro do seu salário...






*Em tempo: alguém quer uns carnezinhos aí?

19 setembro 2007

Rehab

Às vezes a gente precisa arrumar umas prioridades pra fazer o tempo passar mais rápido, certo? Pois é, resolvi me reabilitar. Parar de fumar, dar um tempo nas bebedeiras (vai ser hilário sair pra tomar coca-cola, gente) e arrumar um hidrante decente pra passar no corpo.
Homem não tem noção do que é isso... mas finalmente consegui arranjar um bom, que não dá aquela sensação de calor depois que a gente passa e nem fica grudando na roupa. Adoro. Tenho passado religiosamente nos últimos 3 dias (vamos ver quanto tempo isso dura...).
Quanto a parar de fumar, tou cansada de ser uma moça bonita, inteligente e fedorenta. A sensação gostosa depois de fumar não anda compensando o cheiro nas mãos, no cabelo, no corpo... tenho tabaco impregnado até na alma. Descolei uma parada pra tomar duas vezes por dia que diz que diminui a ansiedade e a vontade de fumar... vou ver qual é. O tratamento dura em média 2 meses. E durante esses 2 meses não é aconselhável beber pra não cortar o efeito e pela dependência casada mesmo... cerveja e cigarro é como pizza e refrigerante, acho. Ou qualquer outra coisa do tipo.
Já tentei parar de fumar umas várias vezes, sem sucesso. Consegui uma vez ficar um mês sem fumar... mas por motivo de saúde. Foi só melhorar que danou-se. Das outras que tentei, consegui diminuir bastante, mas tive uns efeitos colaterais - vontade absurda de comer doce (substituição de um vício por outro) e um mau humor fora do normal. No final acabei voltando mesmo. Não vou dizer que agora é definitivo, que isso é papo de viciado que diz que pára quando quer... bom, isso não existe.
No mais, tou tentando dizer não a junkie food que adoro. E ao hábito de ir dormir depois das duas da manhã. E a vários outros péssimos hábitos, inclusive o de insistir em coisas que não dão certo. Não é fácil... mas faz o tempo correr... e enquanto ele corre, eu esqueço o que me atormenta. E ter a pele e os cabelos cheirosos de novo, não tem preço.

12 setembro 2007

Variedades...

Pra variar... mais uma madrugada adentro sem sono. E pensando, pensando. Os espíritas dizem que nós escolhemos como queremos vir ao mundo... bom, às vezes eu acho que não entenderam direito as minhas especificações. Eu queria vir só porra-louca, mas aí algum espírito de porco cismou que eu tinha que pensar também... affe. E o pior é que nem tem o número do Procon lá de cima, ou de baixo pra reclamar...
Às vezes a gente passa por tanta coisa ruim de uma vez que não sabe como é que vai conseguir dar conta de tudo e levantar, ou melhor, não se abaixar ou não deixar a peteca cair. É fato que eu ando numa fase péssima, com vários problemas que não dependem de mim e não têm solução visível. Mas ainda consigo rir, me divertir e levar. Eu não sei como funciona a superação com as outras pessoas, mas cada vez que as coisas pioram, primeiro eu reajo muito bem e faço o possível pra logo depois (quando tudo começa a esboçar uma melhora) afundar... e logo depois renascer. E continuar rindo, me divertindo e levando. Não acho que o sofrimento seja enriquecedor ou torne as pessoas melhores, mas não reclamo - só acho curioso esse mecanismo mesmo. Precisava conversar com alguém da linha de montagem pra saber como é que funciona isso, porque na boa, acho bacana. Deve ser a compensação pela falha de me fazerem pensante.

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A melhor frase que ouvi no último mês é completamente impublicável.
Dentre as pérolas... uma das mais engraçadas foi uma amiga bêbada num posto de gasolina gritando "Obrigada, céu!", "Obrigada, vinho!", "Obrigada, pé na bunda!" e eu tão bêbada quanto, tentando explicar que Deus tinha um plano pra nós. O problema é justamente que o plano de Deus não saiu do plano dos planos, pelo jeito. Continuamos na mesma.
Outra ótima foi de um colega de trabalho: "Querida, me dá seu cigarro, vou te proteger de ter eczema(!!!) pulmonar...".

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Descobri uma coisa interessante sobre escrever sobre particularidades impessoalmente: documentar sentimentos é óteeemo pra pagar a língua depois. E o fato de ser impessoal torna pra você que sentiu, mais pessoal ainda. É você no espelho esfregando o que disse na sua própria cara. Sem dó nem piedade, porque não há ninguém mais cruel conosco do que nós mesmos.

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E a última revolta: a reforma ortográfica vai abolir tremas... só porque eu adoro. Mas como toda boa pessoa reacionária e retrógrada, vou continuar usando freqüentemente.

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E a última coisa: adaptação é um lance que existe... disfarçado de maturidade.

04 setembro 2007

...

Tinha os sentidos tão adormecidos que não percebeu a barba dele roçando em suas costas, enquanto uma das mãos lhe acariciava os quadris. Estavam ali há quantas horas? Quantas vezes o vai-e-vém havia se repetido? Por que estava tão entorpecida a ponto de não sentir mais nada? Por que ele a abraçava daquele jeito e lhe mordia a nuca?
Desvencilhou-se daqueles braços, ficando de bruços. Não queria mais estar ali, mas algo a impedia de esboçar qualquer reação. Virou o rosto na direção dele, observando sua boca. Ele sorria e balbuciava coisas que ela não entendia. Queria sair dali. Adormeceu.

03 setembro 2007

Chuva

Em dado momento, os dois decidiram abrir a janela e ficar observando a chuva fina em silêncio, absortos em seus próprios pensamentos. Ela pensava em como dizer a ele que não estavam mais sós; que dentro de alguns meses haveria uma outra vida ali que tomaria conta da vida dos dois. Imaginava-se com a barriga crescida, procurando detalhes para decorar o quarto daquela vidinha que já começava a tomar conta da vida dela logo no café da manhã, tornando-o um tanto incômodo. Suspirou e voltou o olhar para ele, que parecia estar muito longe dali. Seus olhos, que geralmente eram tristes, estavam perdidos e parados em algum ponto que ela não conseguiu identifcar.
Ele pensava em como ela andava estranha nas últimas semanas - quase não o tocava, irritava-se facilmente com qualquer coisa que ele dizia e inventava desculpas que custavam a ser engolidas quando ele perguntava o que havia de errado. Não saber o que estava acontecendo o deixava perdido; pensava que talvez ela já não gostasse mais dele e isso doía. Tentava se acalmar pensando que isso era uma fase e que as coisas voltariam ao normal, era só ter um pouco de paciência. Suspirou e voltou o olhar para ela, que o observava com estranheza.
A chuva engrossou, entrando pela janela e molhando ambos, que permaneciam imóveis, se encarando como desconhecidos. Ela sentiu uma dor aguda no ventre e o abraçou, na esperança de que ela passasse. Ele a abraçou tendo a certeza de que tudo ficaria bem. Quando se soltaram, ambos viram o sangue nas roupas dela. A vidinha que ali vivia também havia pensado e concluiu que era melhor ir embora, antes que um dia tivesse a oportunidade de observar a chuva numa madrugada fria.

02 setembro 2007

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Glory Box - Portishead
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