27 setembro 2007

Passeio

Domingo costuma ser um dia muito tranqüilo; às vezes saio pra andar pela feira daqui, que é praticamente em frente a minha casa. Com o calor que anda fazendo não costuma ser um passeio muito agradável, pelo menos pra mim é meio claustrofóbico. Muitas lonas, pessoas, calor, suores, corpos se encontrando e roçando, perfumes de todos os tipos misturados com cheiro de comida, muita quinquilharia amontoada e pendurada nas bancas, músicas ruins, vozes, choros, risos, várias idades e cores. Geralmente fico meio perdida no meio de tudo isso e ando apressada pelo corredor, tentando me desviar do fluxo louco de pessoas, ignorar os cheiros e com um fone de ouvido pra ter um pouco de paz. Levo uns 15 minutos pra atravessar a feira e chegar até os portões da basílica, em dias de sorte.

Nos raros dias em que estou com paciência, ando devagar observando as mercadorias, as situações e pessoas andando por ali. Os romeiros no geral são pessoas bem simples, de pouca instrução e fé enorme. Uma grande parte economiza o ano todo pra poder viajar pra cá, pagar uma promessa e levar várias lembrancinhas de gosto duvidoso para os parentes e amigos. Quando era criança, os artigos mais vendidos eram umas almofadas com umas estampas cafonas, umas sacolas bege com o desenho da Basílica - embaixo do desenho vinha a seguinte frase: "Lembrança de Aparecida", e chaveiros e canetas. Isso sem contar o básico: terços, fitinhas de Nossa Senhora, imagens e quadros variados. Após ultrapassar a barreira humana da feira, vou até a Basílica.

A imagem que se vê da frente da Basílica logo no portão é muito bonita, imponente. Passo pelas pessoas bebendo refrigerante, comendo ou se entretendo com os famosos picolés de Itu(esses picolés de Itu são a coisa mais highlander da cidade - um sorvete de baunilha enorme e sem gosto, com uma cobertura de três cores que as pessoas acreditam que são de chocolate, morango e creme, mas na verdade não tem gosto de nada) perto dos ônibus. Vejo placas de todos os estados... os cariocas geralmente são os mais animados, os sulistas absolutamente educados e não costumam discutir o preço das coisas, os paulistas são mais na deles e por aí vai. Em certa época do ano aparece uma gente loira de pele avermelhada e um sotaque estranhíssimo, do interior do Paraná - comento em separado porque desde criança eles me despertavam curiosidade pelo tom da pele e cabelos... achava muito esquisita aquela gente. Na minha mente de criança, era gente que tinha ficado no sol tempo demais e por isso a pele vermelha; imaginava que se encostasse em algum deles, provavelmente a pessoa gritaria de dor por causa da pele queimada. Coisas de criança...

Dentro da Basílica, gosto de ir até a Sala dos Milagres, onde ficam fotos, troféus, membros de cera, vestidos de noiva e uma infinidade de outras coisas que as pessoas doam em retribuição a graça alcançada. Há várias fotos de jogadores famosos, camisas de time e da seleção, discos, porcelanas. Os membros de cera são um capítulo a parte, pernas, braços, cabeças... de vários tamanhos e tons de amarelo. Há algumas dedicatórias nos objetos que ficam ali e geralmente bate curiosidade e fico lendo qual foi a graça alcançada, os nomes, as datas. Há de tudo: gente que conseguiu cura de alguma doença ou acidente, emprego novo, casamento, reunir a família - essas coisas me fazem achar a fé uma coisa impressionante. Gosto também de olhar as fotos coladas nas paredes - uma infinidade de anônimos de todos os cantos do país, idades, raças e condições financeiras. Na minha infância, meu irmão costumava me levar lá quase toda semana, e durante uma época eu andei cismada que tinha que ter uma foto minha lá. Passei anos procurando por ela e nada... até um dia perguntar pra minha mãe, que riu da pergunta e disse que ela nunca havia colocado uma foto minha lá. Confesso que fiquei um pouco decepcionada.

O passeio se estende até o Centro de Apoio aos Romeiros, onde vou até a loja de uma amiga e às vezes vamos tomar sorvete no Mc Donalds. Quando era criança, o local do Centro era apenas o estacionamento da Basílica... perdi a conta de quantas vezes fui soltar pipa com meus irmãos ou andar de bicicleta(de carona, é claro) com eles. Meus pais passaram algumas tardes de domingo comigo e minha irmã lá, tentando me ensinar a andar de bicicleta, sem sucesso. Nunca tive equilíbrio suficiente, acabava perdendo a paciência e acabei por fim desistindo. Mas ainda assim, adorava os passeios.

Depois de conversar e andar bastante, é hora de voltar pra casa, e venho pela Passarela, que atualmente tem grades altas, pois costumava ser o local preferido dos suicidas da cidade, inclusive um ex-marido de uma tia minha se jogou de lá há uns 3-4 anos. De lá dá pra ter uma vista muito bonita da cidade e redondezas. É muito bonito ver o sol se escondendo na Serra da Mantiqueira nas tardes avermelhadas de outono. É interessante ver também as pessoas atravessando a passarela de joelhos - sempre me pego a pensar no que foi que as levou a esse sacrifício... é, fé a gente não explica mesmo.

A saída da Passarela dá para a Praça N. Senhora Aparecida com suas construções antigas, a Catedral e o comércio. Movimento de pessoas entrando e saindo das lojas com alguma lembrancinha, crianças tomando sorvete e correndo pela praça, carros, agenciadores chamando os romeiros para almoçar nos restaurantes ou ficar nos hotéis, um e outro lambe-lambe pra tirar foto com uma imagem da basílica ou da santa ao fundo, não sei se ainda tiram fotos das crianças montadas num asno - alguns eram até pintados para ficar parecidos com zebras.

Atravessando a praça chego a ladeira Monte Carmelo, atualmente com um calçadão, mas ainda assim as pessoas andam no meio da rua, devido a quantidade de bugingangas que os lojistas deixam expostas na calçada, tornando-a uma extensão de suas lojas. E descendo, se vê todo tipo de comércio, um antigo teleférico, um parque, hotéis com as fachadas revitalizadas - coisa feita há pouco tempo e gente subindo e descendo, olhando tudo com curiosidade e calma, comentando, rindo, negociando com os lojistas.

Quem desce a ladeira, vê a parte de trás da Praça São Benedito: um palco onde há shows, palestras e afins, alguns bancos nas laterais e dois orelhões que fazem muito sucesso: um tigre e um tucano, sempre há alguém tirando foto do lado de um deles. Nessa praça é realizada todos os anos, começando no domingo de Páscoa, a festa em louvor a São Benedito, que dura 9 dias e é um capítulo a parte. Descendo mais um pouco, se vê a frente da igreja e o mastro de São Benedito, que é substituído todos os anos no domingo maior da festa. É a ingreja mais bonita da cidade na minha opinião, embora pequena.

Ainda no sentindo de quem desce há o colégio Chagas Pereira do lado direito da igreja, a escola mais antiga da cidade. Estudei lá dos 6 aos 13 anos, e costumava ser uma escola tradicional, de professores muito bons, embora fosse colégio público. Foi onde cresci, fiz meus primeiros amigos, descobertas e onde começou a minha formação. Lugar de boas lembranças, de brincar no pátio, de tentar entrar no porão da escola, de inúmeras algazarras, de jogar queimada na escada da frente da escola, de tirar os óculos e decorar com flores a estátua do patrono, que fica no jardim frontal da escola. Éramos crianças da pá virada.

E terminando de descer, agora na calçada do colégio, se vê a Rodoviária. Construção velha, feia, com aspecto decadente. É a única rodoviária circular que vi na vida. Tem dois andares e no andar de cima ficam as lojas de roupas, a maioria são de coreanos e há todo tipo de roupa com preços bem acessíveis. Na parte de baixo, há a maioria dos guichês das empresas de ônibus e bares, alguns deles têm até um aspecto bom e são limpos, mas a construção realmente não ajuda.

E rodeando a rodoviária, temos a rua São José, a minha rua. Onde moro desde o dia em que saí do hospital, na mesma casa. Algumas casas da rua, inclusive a minha, foram construídas em 1928 e eram uma vila. Só para constar, a construção da rodoviária é bem posterior, acho que na década de 60 ou 70, não tenho certeza. Quando era criança, a vizinhança era tranqüila e só havia um bar na rua, onde eu ia comprar umas balinhas redondas tipo Mentos que eram uma delícia. O bar fechou e em seu lugar abriu um consultório dentário, aliás, depois veio mais um e um consultório médico, cada um pertencendo a um dos 3 filhos dos nossos vizinhos. Com o tempo, o comércio foi se modificando e atualmente há um salão de beleza, uma pensão, uma lan house, dois consultórios dentários, um médico e uma loja de roupas. E algumas casas, que permaneceram sem tantas modificações. É uma rua barulhenta, movimentada, com um fluxo considerável de carros, ônibus e gente, por conta da Rodoviária. Sempre vejo pessoas indo e vindo em ônibus e sempre fico imaginando para onde elas vão e por quê; geralmente me dá vontade de ir também para algum lugar, qualquer lugar... mas acabo chegando na casinha branca com a garagem estranha. A minha casa.

Um comentário:

  1. Odeio isso, mas lá se vai: 'rezar e canja de galinha não fazem mal a ninguém'.
    ;)

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