01 agosto 2006

Distrações

Resolveu ficar ali sentada, olhando o mar. A noite anterior havia amortecido todos os seus sentidos, não conseguia pensar em nada que não fosse ele. A idéia de talvez sentir a falta dele era aflitiva, não fora treinada para isso. Porque sim, gostar para ela era quase uma questão de treinamento, adaptação; se resumia em seguir etapas: conhecer-conversar-se interessar-demonstrar interesse-etc. E pular qualquer uma dessas etapas a deixava desnorteada, significava que não tinha mais o controle sobre si mesma, e perder o controle era inaceitável.
E foi justamente nesse clima de não-aceitação que o estranho apareceu, levando os pensamentos dela para outro plano. Naquele momento, pareceu a solução de todos os problemas: era confuso, contraditório e um tanto mal-intencionado, era o tipo cafajeste que ela tanto detestava. Falava em levá-la dali para conhecer outras praias, outra vida, prometia mundos e mal conseguia se sustentar em pé. Insistiu para que saíssem naquela noite, havia um bar ali perto em que poderiam beber, jogar conversa fora e talvez ele conseguisse levá-la de lá para a cama dele. Ela inventou uma desculpa qualquer e o fez engolir; queria ir embora o mais depressa possível para não começar a rir na frente dele. Quando finalmente o estranho se foi, já não se lembrava mais porque estava ali. Levantou-se e foi caminhar na praia.

Um comentário:

  1. Anônimo12:44 AM

    Cecília Meireles diz q " a vida só é possível reinventada"... Fecho com ela....
    Tudo é mutável....
    ;-)

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