04 novembro 2005

Recomeço

Há meses ela não saía para caminhar no meio da madrugada - era um hábito estranho que tinha parado de cultivar logo depois do final do affair com ele -, mas aquela tinha sido uma noite atípica, por que não? Olhou no espelho para conferir se havia vestígios de maquiagem, pegou o maço de cigarros, a chave e saiu. Enquanto tentava refazer o caminho - já não lembrava qual esquina dobrar para chegar mais rápido ao mirante, pensava em como eles haviam se conhecido. Foi em um bar de jazz que ela costumava freqüentar com os amigos para desfrutar do ambiente noir, da boa música e claro, do bourbon. Começou a se lembrar das coisas que aconteceram desde aquela época... a promoção que conseguiu em seu emprego - chegou onde queria, no topo; as festas e os porres homéricos, tudo era motivo para celebração; a união e cumplicidade com os amigos, a família escolhida; o amor da sua vida que também a amava... chorou. Da felicidade daquela época não havia sobrado nem vestígios - tinha se tornado uma mulher amarga, cínica. Evitava o contato com os amigos, tinha pedido demissão do emprego, vivia enclausurada no seu mundo, que se resumia ao jazz e ao bourbon. Mas naquela noite tinha resolvido virar a mesa, fez umas ligações, vestiu seu melhor vestido, se maquiou e voltou ao bar onde tudo tinha começado. Por algumas horas, o passado se fez presente e ela se sentiu realmente feliz. Mas ali, naquela caminhada cega, nada mais fazia sentido, já que ele não estava lá e não queria saber dela. Não o culpava, sabia que tinha errado. Ele sabia que ela não podia ser fiel, mas não ser leal era imperdoável. Nunca mais teve notícias dele, era como se pra ele, ela nunca tivesse existido e isso a magoava profundamente.Chegou ao mirante, sentou-se em uma pedra e viu o sol nascer. Ainda o amava, e isso também já não fazia mais sentido. Decidiu voltar pra casa e deixar o passado ali. Recomeçaria.

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