... de novo. E passa a noite toda tentando ler sem se concentrar, ouvir música sem se irritar, deitar sem ficar revirando na cama até o lençol sair do lugar... uma beleza. O pijama incomoda, a falta dele idem. Com edredom tudo fica absurdamente quente, sem ele... dá tremor de frio. O barulho da rua faz os ouvidos doerem, o silêncio inquieta mais ainda. Vontade de jogar várias coisas pela janela e tirar a mobília, deixando só a cama. Mas só com a cama o quarto ficaria horrível, dando sensação de vazio e solidão.
Vamos mexer no computador, ver fotos, remexer lembranças. Olhar fixamente na mulher vestida de preto pendurada no pescoço do rapaz de jaqueta jeans; ela parecia feliz com ele. Se você reparar, o encontro de narizes aduncos na foto do beijo lembra um casal de tucanos. O passado é um lance engraçado, mas um engraçado banal, que você logo esquece. Mas não, nada de apagar fotos.
Acender mais um cigarro e limpar o cinzeiro, que contabiliza, hm..., melhor não contar a quantidade de bitucas de cigarro. Mas são suficientes para o coro de incentivadores falar mais uma vez para parar de fumar. Aliás, mandar alguém parar de fumar é um gesto muito carinhoso, embora sempre irrite quem fuma. Mas é muito válido.
Vários papéis em cima da mesa do computador, dois copos, alguns cds, um vidro de acetona, canetas, algodão, celular, uma carteira sem dinheiro (pobre vida dos desprovidos de honorários), dois vidros de esmalte vermelho. Mais cedo havia a indecisão de sempre: vermelho vivo ou vermelho queimado? Vermelho vivo, cor de sangue. Cor do amor, da irritação, da excitação. É, não vamos dormir hoje.
Ler os papéis... documentos para uma petição, xerox para trabalho sobre ação rescisória e esboço de começo de resumo de responsabilidade tributária. Atestado médico de um dentista, CID de extração. Um papel rabiscado com letras de músicas, nomes de bandas, nomes de gentes, números de telefones.
Todas as músicas irritam, mas aquelas mais lentas fazem lembrar o rapaz de olhos esverdeados e sorrisão. Melhor passar para a próxima faixa... e rá... Coldplay, Warning sign. Outra lembrança... agora o rapaz sério que ligou numa madrugada antes do natal há alguns anos, para falar do tempo e desejar feliz natal... a voz grave dele costumava fazer tremer.
Esfriou... melhor fechar a janela. Melhor ainda deixá-la entreaberta, para não sufocar com a fumaça. Fechar a maldita persiana emperrada e olhar pela fresta... ninguém na rua, um ônibus chegando. Mais uma duas horas e podemos pegar qualquer ônibus, pra qualquer lugar. Ir parar em Foz do Iguaçu. Cataratas.
Amaldiçoar o tempo chuvoso que estragou o feriado prolongado. Se mexer e sentir as costas estalando, muito cansaço e pálpebras pesadas. É, é hora. Cama pronta. Bom sono.
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