05 agosto 2007

O gêmeo celeste

Domingão, dez da manhã... aquele moço alto e branquelo veio puxar minhas cobertas...
- Acooooordaaaaa, neeegaaaa!
E antes de pensar em ter um surto de mau humor matinal, reconheci a voz, e ainda meio dormente e choramingando pra não levantar, reconheci os meus olhos azuis favoritos...
- Pelo amor de deus, não faz isso... deixa eu dormir mais um pouquinho só...
- Vim te ver, nega. Acooorda!
E ele saiu rindo do quarto, enquanto eu virava pro lado pra mais um cochilo. Pelo menos dessa vez ele não tinha arrancado as cobertas, pegado no colo ainda meio dormindo e carregado pela casa; e nem pulado em cima de mim. E como sempre, eu não consegui dormir mais e me levantei pra ir atrás daquele pseudo-pesadelo matinal sorrindo - sim, ele é a única pessoa que consegue me acordar em qualquer hora do dia e arrancar um sorriso(a fama dele é enooorme por causa disso). E na cozinha, estava ele lá, com o sorriso de sempre, conversando com meus pais. Momento do abraço apertado, dos beijos e de invariavelmente ele me levantar do chão e eu resmungar...
Ficamos conversando um pouco, ele me contando como estava a vida enquanto eu tomava café. Quando toquei num assunto motivo de preocupação e ligação na semana passada, foi categórico:
- Já tá tudo bem agora. Tudo resolvido...
- Que bom... disse, mas sabia que não estava. Havia algo de inquieto nos olhos, e a gente se conhece só pelo olhar. Mas se ele não havia falado, era melhor não aprofundar. Ficou mais um tempo, demos umas risadas e ele se foi, voltaria mais tarde. Abraços na despedida e piadinhas sobre a Jubiraca 4.0 - a nova bicicleta dele.

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Umas cinco da tarde, minha mãe me chamando...
-Filha, ele te disse alguma coisa? A mãe dele ligou aqui...
- Não, não disse nada, mas não tava tudo bem.
- Não voltou pra casa, a esposa ligou pra casa da mãe dele.
- Eu sei, é típico. Faria a mesma coisa.
- Vocês também, hein? Não têm juízo.
- Eu entendo o que se passa lá, somos iguais. Daqui a pouco ele reaparece, deve estar precisando de tempo pra pensar...
- Pensar no quê?
- Na vida, ué. Sabe que não adianta, ninguém consegue segurar nenhum de nós dois. Mas não esquenta... daqui a pouco tudo se resolve.
- É... mas tem que ter responsabilidade, né? Sumir assim, do nada?
- Às vezes é bom dar um tempo do mundo, faria a mesma coisa.
- Vocês não tem jeito mesmo. Como é que pode ser tão parecidos?
- Deve ser os genes...
- São do mesmo signo...
- Não, não somos. Sou de aquário e ele de peixes.
- E como é que são assim?
- Já falei, os genes. E somos livres. E o resto das coisas que a gente não explica.


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Agora a noite... pensando em nossa infância. A mesma idade, brincávamos juntos, nunca brigamos e sempre fomos cúmplices em tudo. Me lembro da prima insuportável dele, que brincava conosco nos domingos que eu passava na casa dele. Fazíamos questão de atazanar bastante a menina pra ela sair correndo pra casa dela chorando e reclamando de nós dois. Quando a mãe dela aparecia, nós já não estávamos mais no quintal, pelo menos não aparentemente. Ele se escondia trepando na pitangueira e eu, bem, como não sabia subir em árvores, me enfiava atrás das bananeiras. Depois que a mãe dela ia embora, saímos dos respectivos esconderijos pra dar risada e brincar sossegados. Quando a mãe dele perguntava o que a gente tinha feito pra menina, os dois faziam cara de anjinhos...
- Nada não. Ela é que é chorona, chata e não deixa a gente brincar em paz...
- Vocês dois juntos são fogo...

E foi assim durante toda a infância e adolescência. Um sempre entendeu o outro pelo olhar e a família toda sabe que quando os dois se juntam, não pode ser coisa boa. Passamos por todo tipo de experiência juntos, dividimos problemas, confidências, algumas broncas, conselhos. Um sempre acobertou o outro, por mais errada que parecesse a situação. E ninguém na família nunca entendeu como é que somos tão ligados, mesmo sendo muito diferentes em algumas coisas.

Agora, somos adultos com vidas completamente diferentes, mas a ligação permanece. É aquela sensação deliciosa de encontrar alguém que você não vê há muito tempo e ver que o tempo não passa pra vocês. E que por mais que o mundo seja estranho, tem alguém que te entende e que é igual a você. E que você ama e sabe que é recíproco e desinteressado; e que esse sentimento você não sabe explicar. Mas é assim.

Um comentário:

  1. Anônimo11:47 PM

    Ai ai, quase chorei lendo seu post... me deu uma saudae danada do meu gene que ficou em OP! E a sua frase define exatamente o que acontece: pode se passar um milhão de anos, mas parece que o tempo nao passa pra nós! Ai! Que saudade!!!
    Vc deveria ler Clarice...praticamente,vc a plagia! hauhuau bejuuuu

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