Observava aquele homem de ombros largos e mãos fortes estendido no sofá, cochilando. Não havia tirado os óculos e segurava o controle remoto da tv numa das mãos. Deitado ali, parecia um boneco de cera, sem vida - completamente diferente do homem temperamental e caprichoso que era normalmente. Com os olhos fechados, não se viam as faíscas que saíam dos olhos, nem aquele brilho no olhar que costumava ter quando estava feliz - o mesmo brilho no olhar que as crianças têm quando fazem arte ou ganham brinquedo novo. Não se ouvia a voz macia, tampouco o riso espontâneo dos dias de bom humor; só a respiração compassada. Ali, do tapete, parecia miúdo, mesmo não cabendo na namoradeira. Sua pele parecia não ter cor, sabor ou temperatura - era só um invólucro de alguém que se escondia lá dentro, alguém que ela talvez não conhecesse.
E ali, deitada no tapete, estava cansada dele. Das explosões de temperamento repentinas, do humor sarcástico, da ironia calculada daquele homem. Dos dias em que ele conseguia ser o animal mais dócil de todos e fazer dela o que quiser. Da argumentação excessiva que usava para justificar seus desejos mais tolos como se não fossem meros caprichos. Cansou-se das noites em que encostava a cabeça no peito dele e se sentia protegida; dos gestos carinhosos quando ela não esperava; do otimismo que ele fingia ter só para animá-la.
Diante do próprio cansaço, chorou - sabia que estava preparada para abandoná-lo ali, e isso doía. Doía mais ainda ver o homem de cera não esboçar nenhum movimento além de ressonar diante do choro dela. Talvez mais tarde, aquele homem com cor, sabor e temperatura viesse procurá-la, mas aí já não interessaria mais. O temperamento, os caprichos, o peito largo e o carinho já não adiantariam mais, ela já teria sido vencida pelo cansaço.
Enxugou as lágrimas, se levantou e andou pela casa. De volta ao tapete, sentou-se ao lado da namoradeira e encostou a cabeça no corpo dele. Sentiu ele se mexer no sofá, deixando o controle remoto cair e estendendo a mão em direção aos cabelos dela, enquanto a outra procurava uma mão com unhas vermelhas. Sentiu o calor de uma daquelas mãos na sua e a outra mão em seus cabelos. Nada mais fazia sentido. Adormeceu ali.
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